Historicamente tem sido um grande desafio construir caminhos possíveis para famílias de
baixa renda que não conseguem acessar o serviço de arquitetura através das possibilidades existentes no mercado atual. Sabemos que a moradia digna é um direito assegurado pela constituição, mas isso não impede que o déficit qualitativo do nosso país seja da grandeza de 14 milhões de moradias (fonte: Fundação João Pinheiro, 2019).
Um caminho que vem sendo trilhado por alguns arquitetos é oferecer o serviço da reforma
através da constituição de um negócio social, ou seja, uma empresa que oferece um produto que pretende melhorar a vida dessas famílias.
Porém, a relação entre negócio e propósito ainda carrega alguns desafios. Entre eles, o de estruturar o setor comercial desse negócio.
A palavra comercial por si só já costuma vir carregada de várias ideias que, na maioria das vezes, não são muito positivas. A gente pensa naquele setor de vendas que tenta de qualquer forma empurrar um produto, ou na obsolescência programada dos produtos só para consumirmos mais, ou mesmo em alguém tentando apenas ganhar muito dinheiro. Imaginem, então, o desafio de trabalhar no setor comercial de uma empresa com propósito social? É um nó daqueles.
Esse texto pretende trazer alguns aprendizados que tive à frente do setor comercial da Vivenda, uma empresa com propósito social.
Por ser mais urbanista que arquiteta, sempre fui uma pessoa mais interessada em construir
a partir da realidade existente, entendendo que transformar as coisas não parte de demolir
e começar tudo de novo, do zero. Não imaginava que essa visão pudesse me ajudar a entender o que chamo neste texto de “comercial”, mas foi. Aprendi a enxergar o comercial como uma caixa de estratégias para chegar em mais pessoas, mostrar para mais gente uma solução que poderia ser boa para elas e assim, dar a oportunidade de escolherem pelo serviço que ofereço. Estamos falando, portanto, de acesso.
Nessa jornada eu descobri que trabalhar com números é como ter um mapa, uma bússola.
Eles representam muito mais que “bater a meta por bater” ou para receber “comissão da
venda”. São grandes aliados para nos dizer quais são os próximos passos a serem dados para atingir mais pessoas, e também para nos ajudar a descobrir quais são os gargalos da operação, o que precisa ser acertado, onde a gente precisa “apertar um parafuso”.
Diferente do que normalmente se pensa, quando a gente trabalha com metas e números,
ficamos mais confortáveis na operação, pois sem o apoio dos números é muito possível que
Como aprendi que números e metas são aliados do propósito a equipe da empresa se sinta à deriva, sem saber onde colocar os esforços, o que precisa fazer para obter resultados, e pior, sentindo que todo o esforço colocado na operação está sendo em vão.
Isso é muito desgastante para quem trabalha em uma organização com propósito social,
pois sabemos o quanto o dia a dia demanda um enorme esforço, e esse gasto de energia
sem resultado se torna rapidamente insustentável.
É a partir da estruturação do setor comercial, da definição de onde você quer chegar – metas – e como chegar – números e conversões – que a equipe vai entendendo seu papel e sua responsabilidade, construindo juntos um mapa de viagem. E esse mapa tem um lugar de
chegada muito claro: o acesso. Mais pessoas podendo – se assim desejarem – acessar um
serviço que pode melhorar sua vida.
Existem, claro, algumas limitações em trabalhar no setor comercial em um negócio com propósito social, principalmente porque estamos construindo esse formato de atuação enquanto trabalhamos. Então será um passo de cada vez. Vamos trabalhar com o que temos, sonhando com aquilo que queremos e planejando como viabilizar tudo isso.
E o que temos hoje é a possibilidade de olhar para cada família que bate na nossa porta e tentar resolver, em conjunto, o problema que ela apresenta. Levando todas as ferramentas que temos no bolso: nosso olhar técnico, nossa criatividade, nosso engajamento, a possibilidade de planejar e financiar, tudo junto. Entender cada desafio como nosso. Se envolver em cada realidade que se apresenta, ouvir a história de cada família e poder fazer parte dessa história ao construirmos juntos a melhor solução possível. E então, quando a solução se concretizar na nossa frente, curtir cada minuto.
Ligia Lupo,
Head de CX.
Comments